Jenifer Leão

Tuesday, February 13, 2007

Memórias de Uma Gueixa (Memoirs of a Geisha, EUA, 2005)

Japão entre-guerras, subúrbio de Tóquio. Ruas estreitas, escuras pela umidade de uma chuva constante. Um cenário de melancolia e mistério, de dor e sexualidade: é também assim, que podemos definir o trabalho de uma gueixa, a acompanhante de luxo da tradição japonesa. Imaculadamente brancas de pó-de arroz, os lábios rubros, inúmeras camadas de seda e sapatos de plataforma altíssimos definiam sua aparência. Costumavam entreter fileiras de homens nas casas de chá, quer tocando a balalaica, dançando com leques ou proporcionando uma conversa agradável, as gueixas eram treinadas em escolas especiais desde a infância para desenvolver diversas habilidades. "A gueixa é a arte em movimento" dizia Mameha protetora de Chyio-Sayuri a protagonista do filme.

O filme é baseado no romance de Arthur Golden. A pequena Chyio e sua irmã são vendidas pelo pai pescador a um okyia (casa de gueixa). Lá, elas são separadas e Chyio começa a servir à irascível gueixa Hatsumomo (Li Gong imperiosa com seus longos cabelos pretos e olhar faiscante de ódio). Certo dia ela se encontra chorando numa ponte, momento em que "o presidente" o atraente Ken Watanabe, lhe conforta e lhe compra um sorvete. A partir daquele momento, Chyio decide se tornar uma gueixa, somente para poder se reencontrar com aquele homem. Alinhados os astros, Mameha, outra famosa gueixa, propõe-se a tornar Chyio em Sayuri, a mais cobiçada mulher do hanachami(bairro). A partir de então, intrigas, ciúmes e desejos reprimidos dão o tom da disputa entre Hatsumomo e Sayuri.

A direção de arte de Patrick M. Sullivan Jr. e Tomas Voth surpreende pelo preciosismo com que se dedica à indumentária e à maquiagem das atrizes, capazes por si só de contar uma história. A fotografia de Dion Beebe é belíssima. Ao se manter na teleobjetiva, sempre presa a escala menor do hanachami , se converte em algo muito íntimo e recatado. Restrito ao curto horizonte de perspectivas das próprias gueixas.

Após sermos totalmente enredados nessa aura de tradição, em que a linha que separa a artista da prostituta é extremamente frágil, surge a guerra, que já desestabilizou inúmeras histórias cinematográficas. E a ocupação americana. O tom predominantemente escuro do hanachami é substituído pelo cáqui das roupas militares, milhares de americanos rindo e ouvindo jazz, mulheres vestidas à maneira das gueixas, todo o respeito infundido no telespectador na primeira hora do filme é ofendido por essa balbúrdia ignorante e juvenil.

Magnificamente dirigido, as duas horas e 25 minutos do filme não se fazem sentir. Apesar de um final consideravelmente simplório, falha da trama de Golden, Memórias é um excelente vislumbre dessa milenar tradição japonesa.

(as traduções de termos japoneses não são fruto de pesquisa e sim, de interpretação livre do filme)

Friday, February 09, 2007

DOUTOR THÉO: UMA HERANÇA CULTURAL

No seu centenário, homenageia-se o antropólogo, que em anos de pesquisa, montou um acervo de inestimável valor para a preservação da cultura popular.


Jenifer Leão, Marcela Albuquerque, Ismael Tcham e Valter Ferreira


Abertura Oficial do Centenário Théo Brandão
Nas fitas coloridas do guerreiro, espalhadas em todas as passagens, pulsava vivo o colorido do folclore alagoano. Nas mesas, tecidos floridos em tons de vermelho e amarelo, complementavam o turbilhão de cores e estampas tão próprio aos folguedos populares. As luzes que cobriam todo o museu faziam-no emitir uma luz acolhedora, como a representar um porto seguro para cultura, contra as marés do esquecimento. Tudo em homenagem ao patrono daquela casa. Ao homem, que em anos de estudo e pesquisa montou um arquivo de inestimável valor para a preservação da história popular. Arquivo este, que em 1975 foi doado a Universidade, como bem lembrou Ana Deyse, em seu discurso: “naquele momento, todo aquele acervo, seria célula inicial do museu Théo Brandão.”
Na noite do dia 25 de janeiro, o palco externo do museu Théo Brandão começa então a ser lentamente preenchido por toda sorte de autoridades: das mais óbvias Leda Almeida diretora do museu e Ana Deyse Correia, reitora da Universidade, aos filhos do antropólogo, Walter e Válnea Brandão, Juarez Gomes de Barros sabiamente representando nosso benquisto governador; ainda, Péricles Brandão, prefeito de Viçosa, cidade-natal de Théo, José Renivaldo dos Santos, diretor regional dos correios e a vice-prefeita Lourdinha Lyra, com seu usual vestido para eventos culturais.
A filha de Théo, Válnea Brandão agradece então o esforço conjunto que possibilitou a restauração daquela casa, com a conseqüente perpetuação do legado de seu pai: “Foi muito importante a colaboração da universidade para o projeto de restauração, uma campanha que mobilizou a comunidade universitária, políticos, empresários, gente que se sentia incomodada com o estado de deterioração deste prédio, o que em pleno corredor turístico, denunciava o tipo de tratamento dado à cultura em Alagoas.”
Foi instituída a medalha comemorativa ao centenário de Théo Brandão, e em número de quatro foram entregues a: Válnea, representante da família, a Gustavo Quintela por seu empenho e dedicação pelo registro da cultura popular alagoana, através de pesquisas na área de música folclórica, a José Carlos, um dos primeiros funcionários do museu e que foi aluno-bolsista de Théo e a professora Margarida Santos, peça central na campanha pela restauração do museu.
Também é lançado, pelos correios, o selo comemorativo ao centenário de Théo Brandão. Encerrando a noite acontece a apresentação do reisado cearense Brincantes Cordão do Caroá.

A Folkcomunicação e Destaque na Cultura Alagoana
O dia seguinte é dedicado a apresentação de três painéis. Nos dois primeiros, sob a coordenação da professora Rossana Gaia, os expositores contaram vivências com doutor Théo, além de trabalhos que dão continuidade à expressão da cultura através da comunicação.
O primeiro painel iniciou com o professor José Marques de Melo que relembrou os seminários realizados, juntamente com Théo, onde tratava da formação superior em jornalismo, colaborando com sua adesão imediata e patrocinando sua legitimação.
O expositor Osvaldo Trigueiro, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPA) e coordenador do núcleo folkcomunicação da Intercom, relata os debates que travava com o antropólogo sobre o que era essa visão moderna chamada folkcomunicação, já que o assunto era considerado alienação cultural por visões tradicionais existentes naquela época.
Após breve intervalo, retornando ao seminário onde se discute a “Presença do Jornalismo e Destaque na Cultura Alagoana”, o professor de antropologia Bruno César salientou que Théo deu grande destaque à cultura alagoana criando relacionamentos entre folclore, antropologia e sociedade. Bruno refere-se a Théo como um mediador cultural, dotado de um espírito revisor e inquieto, que não se preocupava com sofisticações teóricas em sua obra.
Por fim, a palavra do professor José Maria Tenório, discípulo e biógrafo de Théo Brandão. A professora Rossana leu um pequeno texto elaborado por José Maria, pois ele não conseguia fazê-lo devido ao excesso de emoção.
No texto, José Maria lembra do seu tempo de faculdade, da fala difícil porém bonita do mestre Théo, e que sempre foi um grande admirador do professor de antropologia cultural, que uma vez lhe declarara ser ele seu “filho intelectual”.

Reconhecimento e Continuidade de Uma Obra
O terceiro painel inicia com o tema: reconhecimento e continuidade de uma obra, no qual a professora de História e Antropologia Vera Lúcia Calheiros, relembra emocionada passagens de sua vida em comum com seu mentor e amigo Théo Brandão: “Como começar a falar de alguém com quem trabalhei longos anos na Ufal? Alguém que cuidou do meu sarampo, que foi meu padrinho de casamento?”. Chora. Tem uma voz esganiçada e entrecortada. Seus cabelos cinzelados pelo tempo não ousam contrastar com o tom alvíssimo de sua pele. As memórias que iria destrinchar naquela noite ocuparam pelo menos oito páginas e 80 minutos.
Passa a relatar a transição do médico para o antropólogo, o despertar do seu interesse pela medicina folclórica, a pesquisa de campo improvisada, os recursos tecnológicos que utilizava: “Munido de um gravador com dois carretéis de fita magnética, doutor Théo registrava as cantorias, repentes, depoimento de causos.” Ele costumava dizer: “Eu nunca fui homem de sair por aí para fazer pesquisa de campo, mas não havia ciência social nessa época. Eu, consultando as mulheres que viam se consultar comigo, trazendo saquinhos amarrados nos pescoços dos meninos... era com elas que eu colhia os primeiros materiais de medicina folk, crendices e superstições. Meu centro de estudos era o próprio ambulatório de pediatria.”

Pedagogo nato
Uma senhora franzina, miúda, muito quieta remexia algo em sua bolsa. Tomava o copo d’água com ambas as mãos, pois o tremor que elas apresentavam tornavam arriscado empreender a tarefa com uma só. Era a professora Nádia Amorim. Tomando o microfone, apressa-se a se desculpar por um certo coloquialismo em sua fala. Nada mais enganoso. Na próxima meia hora não se encontram erros de gramática, mas somente pura erudição verbal.
No segundo depoimento da noite, Nádia recorda com orgulho os tempos em que teve Théo como professor. Sob o tema: “Théo Brandão: Professor e Educador”, ela ressalta a importância da confluência: professor-educador-pesquisador. E identifica, como uma das pragas da educação brasileira o desencontro entre essas funções. Era a paciência, a tolerância e a delicadeza que faziam de Théo Brandão um “pedagogo nato.” Eis o primeiro contato que a sua turma teve com o professor: “A minha turma era tão ingênua, em todos os aspectos, era um turma extremamente simpática, extremamente agradável, mas também extremamente modesta do ponto de vista intelectual...” O sorriso e o leve altear de sobrancelhas denunciam o passar de cenas em sua mente: “quando entra doutor Théo, falando bem rápido, e sempre sorridente, que ele ia procurar tornar a matéria, a mais acessível possível... isso já cativava todo mundo. Aquele sorriso era um sorriso, de quem dizia : não se preocupem porque compreendo, e porque compreendo eu respeitarei a ignorância de vocês. Ele tinha um profundo respeito pela ignorância alheia. Isso porque dentre outras coisas, ele era um gentleman. Fino na educação formal e no tratamento com as pessoas. Essa era a grandeza do educador.”
Nessa noite de encerramento, é relançado o livro O Reisado Alagoano de autoria de Théo Brandão, que ganhou o primeiro lugar no quarto concurso de monografias sobre o folclore nacional, da Discoteca Pública Municipal de São Paulo. Outro reisado ocupa o palco, são os foliões do Bananal de Viçosa. Finalizando a noite, o talentoso violeiro João de Lima desfila os repentes. Homenagem mais regional, impossível.

O Homem e o Estudioso
Théo Brandão, nome abreviado de Theotônio Vilela Brandão, nasceu em Viçosa, município de Alagoas, no dia 26 de janeiro de 1907. Em 1929, terminou o curso de medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Na Universidade Federal de Alagoas exerceu o cargo de diretor do antigo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Quando se aposentou passou a se dedicar unicamente à pesquisa e à promoção do folclore alagoano.
Em vida várias publicações foram feitas pelo mestre como Folclore de Alagoas, Trovas Populares de Alagoas, Folguedos Natalinos, Novíssimo Romance do Gato A Chegança, O Presépio de Alagoas Cavalhadas e Quilombo. No ano de sua morte estava previsto o lançamento das obras Folguedos Náuticos, Falando sobre Chegança e Fandango. Théo Brandão faleceu em decorrência de um câncer no fígado, às 8 horas do dia 29 de setembro de 1981, em sua residência. Seu corpo foi trasladado para o museu que ele ajudou a fundar, onde foi velado por amigos e admiradores. O então reitor da Ufal, professor João Azevedo mandou suspender as aulas. E no velório esperava Théo Brandão com um cartão que dizia: “Esta é a tua casa. Aqui serás eterno”. O governador da época, Theobaldo Barbosa, decretou luto oficial de três dias no Estado.

O Museu
O Museu Théo Brandão tem sido uma das instituições responsáveis pela preservação da história do Nordeste e em especial a vida intelectual de Alagoas que desde a sua origem, está ligada a monocultura da cana-de-açúcar, à vida rural e ao monopólio dos senhores de engenho.
Hoje o museu é um órgão suplementar da Ufal de Antropologia e Folclore, foi criado em 20 de agosto de 1975 e instalado provisoriamente na casa número três do Campus Tamandaré no Pontal da Barra, na Administração do Reitor Nabuco Lopes. Recebeu o nome de Théo Brandão em razão de ter sido criado para abrigar a coleção de arte popular do professor e folclorista Theotônio Vilela Brandão que doou suas obras para a universidade.
O atual edifício do museu foi adquirido no reitorado do professor A. C. Simões. Na época, o museu era utilizado como residência universitária feminina conhecido como “L.U.A”, até atingir a sua vocação museológica. A transferência do Campus Tamandaré para o Palacete dos Machados, como era conhecido o prédio da Avenida da Paz, foi assinado pelo reitor em exercício João Azevedo, também principal articulador da criação do museu.
O primeiro diretor nomeado foi o professor Fernando Antônio Lobo Neto (1975/1976). Mas foi em 1999, sob a coordenação de Carmem Lúcia Dantas que o museu passou por um processo de renovação, restauração e direcionamento da sua nova fisionomia administrativa e técnica.
Em 1983, o museu recebeu o acervo documental de Théo Brandão, que estava em poder da família compreendendo: pesquisas inéditas, fichários de material folk, fotografias, filmes, fitas cassetes, folhetos de cordel e toda a biblioteca que pertenceu ao folclorista. Em 2000, em seu segundo reitorado, o professor Rogério Moura Pinheiro declara o museu Théo Brandão sua prioridade na administração, período durante o qual realizou-se a atualização dos projetos arquitetônicos.
A reinauguração do imóvel aconteceu no dia 29 de agosto de 2001, como parte das comemorações da semana do folclore. A abertura ao público, só ocorreu em junho do mesmo ano, quando o museu já estava instalado e suas exposições montadas sob a curadoria do museólogo e antropólogo Raul Lages. Desde então o museu vem se firmando como o porto da cultura popular alagoana, com instalações adequadas a receber as mais diversas exposições e um rico acervo do folclore do estado documentado por um dos mais sagazes e incansáveis estudiosos: mestre Théo Brandão.